Vamos lá. Dei uma editada, porque deu nove folhas de fichário.
Domingo - 19:45
O Princesa dos Campos da plataforma 22 sai do seu box. Dentro, um jovem cheio de esperança. Ele olha as pessoas se despedindo no Terminal Rodiviário Barra Funda em São Paulo. Na rádio MIX, Van Halen. E o ônibus percorre as ruas da cidade mais movimentada do país, que num domingo à noite parece sucumbir à tentação de assistir ao Fantástico. (...) Os dados estão rolando e a sorte está lançada. "Pato Branco, aí vou eu!!"
"Esse ônibus leito é confortável... Começo a me sentir em casa. O estofado da poltrona de couro parece meu sofá. Já arranjei até suporte pro meu best friend, o walkman. Tem suporte para os pés e tudo mais! (Ê, propaganda!)"
Okay, eu ia escrever em forma de livro, mas eu não saberia contar essa loucura toda de um modo interessante em terceira pessoa...
21:50 - Itapetininga (SP)
Engraçado... Achei que o ônibus faria um trajeto parecido com a ida pra Porto Alegre (SP - Registro - Curitiba), pra só aí ir pra dentro do Paraná. Mas tudo bem, a menor distância entre dois pontos não é uma reta? Então...
Parada pra janta, que se resumiu a um bolinho de carne, um pão de queijo e uma Fanta Maçã. Sempre provo os pães de queijo das paradas. É o meu método de teste. Assim como o suco de uva nos restaurantes.
Parada de ônibus é uma coisa interessante. Vende-se de tudo! Revista, livros do Arquivo X, mangás (tem Vagabond, viu, Su?) até CD do Paranaense & Goiano tem... Interior fux.
Minutos depois - De volta ao ônibus.
Estou começando a ficar com asia. Acho que foi o bolinho... Espero que passe alguns filmes nessas TVs, pra eu esquecer. O outro que passou antes da parada era "Astronaut's Wife" (não sei o nome em português). Legalzinho até, mas meio viagem demais. Faltou verossimilhança. Time to get some sleep...
Segunda - 4h15 - Guarapuava (PR)
Nunca dormi tanto numa viagem. Leito é ruim por esse lado. Você não aproveita tanto a paisagem... Foda-se, tem Pepsi de graça... hehehe...
Um pouco de Bidê ou Balde na fita e logo Copiá - PR. Achei que o ônibus fosse encher durante o percurso. Deve ter umas 6 pessoas...
Já disse sobre as rádios? É um ótimo meio de saber onde se está quando viajando por aí. Nenhum sinal de música civilizada. Volto pras minhas fitinhas. Björk - Dancing In The Dark Soundtrack. Obra-prima. Ainda não sei qual é melhor, o filme ou a trilha. Lenços são recomendados em ambos. Hora de curtir a alvorada do dia.
7h30 - Algum lugar ao Sul do PR
Por quê raios o motorista só resolve dar uma de piloto quando estou arrumando minhas coisas?? Dei de cabeça na coluna do ônibus (espaço entre uma e outra janela) e está doendo.
Por ter chovido um pouco, não pude ver o sol abrir o dia. Campos longínquos, a perder de vista, compõem a paisagem. São daqueles que só não podem ser vistos por completo porque a Terra é redonda. Nesse aspecto lembra muito o RS.
8h - Pato Branco (PR)
Ok. Here I am.
Após informar a garota e a família, fui em busca de informações sobre o Hotel Província e o CEFET. A princípio a cidadezinha não difere em nada de uma qualquer do interior paulista, como São Roque; ou meio-central gaúcha, como Cachoeirinha.
Estou me sentindo O jornalista com esse bloquinho e caneta. Onde quer que eu vá as pessoas ficam me olhando escrever. Vou dar uma volta por aqui, já que o hotel fica na rua de cima.
Dada a volta, vou tentar não criticar a cidade com minha visão megalopolista. (Meu Deus, onde eu fui parar!!!!)
Pato Branco é uma cidade calma, sem o stress, o trânsito e principalmente o barulho de uma cidade grande. É um silêncio tão bom! Há muitas casas de madeira. Madeira mesmo! Muito verde. Mas segundo a Danielle Pulga, simpática garota que conheci no ICQ, é melhor eu ir me acostumando. "Saudade do Iguaçu é muito menor"...
11h30 - De ônibus pela cidade
A maioria esmagadora das casas é feita de madeira. A entrada do CEFET é um ladeirão, que tive que encarar munido de guarda-chuva. O CEFET daqui tem uma estrutura muito superior ao de São Paulo.
Numa visão um pouco mais negligente, aqui parece ser o único lugar onde vi pessoas bonitas. Ok. Digamos que as pessoas possuem fisionomias diferentes dos quais eu estou acostumado, "é que Narciso acha feio o que não é espelho"...
Enquanto esperava o ônibus para vir, li mais um pouco do Shinyashiki que meu pai me deu. Odeio auto-ajuda disfarçada de psicologia, mas eu estava precisando...
Novamente sou tido como freak por estar escrevendo à mesa de uma lanchonete em plena CEFET. Lembro de quando eu estava no lugar deles, achando um nerd quem fizesse isso. Rotular é tão mais fácil que tentar entender.
Depois de comer tenho que passar por um monte de rampas e blocos pra trocar de roupa e parecer mais "empregável".
16h40 - Depois da entrevista
Entrevista feita, roupa de viagem, família e guria notificados (q saudades!!), volto ao meu bloquinho.
Quatro entrevistadores, quatro entrevistados e, pra variar, eu fui o último. Tudo bem. Fui a atração da casa mesmo... Fui o "paulista". Os outros três eram de Medianeira, uma cidade próxima a Foz do Iguaçu. Não querendo menosprezar ninguém, eu era de longe o mais preparado. Segui as regras básicas para entrevistas e eles pareciam desconhecê-las, muito nervosos, talvez por inexperiência em entrevistas.
Duas horas depois do horário marcado eu entro na salinha com um técnico eletromec., um engenheiro mec., um gerente adm. de operações (!?) e um gerente de RH. Se todos foram fuzilados como eu, pobres concorrentes... Acostumado a entrevistas em firmas de grande porte, me sai muito bem. Ok, o Shinyashiki também ajudou. E a Su então, nem se fala. Ela praticamente me FEZ ser "empregável". Falei tudo que eles queriam ouvir. Nem +, nem -, apenas o necessário. Saí com ar de triunfo e enfrentei novamente a chuva sob meu protetor pluvial (até agora estou eloqüente). :)
Na saída, informado pelo porteiro do CEFET, vim a saber que àquele horário não mais haviam ônibus p/ a Rodoviária de Pato Branco. Fazer o quê? Esperei por uma carona. Passados dois carros que iam em outra direção, quem passa? Meus concorrentes de Medianeira, num golzinho, voltando pra sua cidade. Eles pararam e foram não só gentis em me deixar na rodoviária, como perguntaram qual CD eu preferia. Foram os 10 minutos mais inesperados de toda a viagem, sem dúvida. Eu e mais quatro camaradas (um deles tinha feito a mesma entrevista no grupo da manhã) cantando "Me deixa, que hoje eu tô de bobeira". Caras que tinham tudo pra querer se matar e principalmente ME matar (já que eles se conheciam entre si). É dessas coisas que a humanidade precisa: finais felizes. Posso não arranjar o emprego, mas esses 10 minutos valeram a vinda até aqui.
Sabe de uma coisa? Adotei um novo lema. Tudo vale a pena se a alma não é pequena. Vale pra tudo na vida.
E o pior ainda estava por vir... Hum... Ah, se estava...
A passagem de volta já estava comprada, mas não reservada. Cheguei no guichê da empresa: sem lugar. Ah, não!! A mina do caixa disse:
- Vou tirar um boletim pra ver se não tem alguma desistência.
Ela sorri pra mim e diz:
- É muito difícil ter vaga assim, na última hora, pra São Paulo. Sempre vai lotado. (...) É teu dia de sorte. Poltrona 19. Boa viagem.
Ufa!
Ah! E teve a tiazinha que guarda os banheiros da rodoviária!
Ela vem correndo para seu posto, com a cuia e bomba do seu chimarrão, ao ver que estou me aproximando. Ela olha bem pra mim e diz:
- O senhor não é motorista de ônibus? - ela toma uma pouco do mate.
- Como?
Ela repete.
- Por quê? Não. Esse banheiro é só pra motorista?
Ela sorri com toda a malícia que seus quase 50 anos pemite:
- Não, é porque se fosse podia usar o nosso, lá atrás.
- Não, não sou. É um real, né? - digo tirando a nota da carteira.
Ela faz cara de triste, como se sua última chance de ser feliz tivesse ido descarga abaixo:
- É...
Eu entrego a nota e passo como se nada tivesse acontecido.
Ao sair, ela nem estava lá.
Como se não bastasse ter um mano no Socorro, agora sou terror das velhinhas guardadoras de banheiro...
20h - Copiá
Volta. O que dizer sobre ela? Estou fazendo exatamente o mesmo caminho, portanto pode ser encarada como uma ida, só que de ré... :)
Duas coias que eu reparei nesse restaurante 3 Pinheiros.
1. Como as coxinhas estavam murchas! Pareciam ter a idade da minha avó. Nunca coma coxinha em parada de estrada, pode ser mais fulminante que veneno puro.
2. Como é grande o consumo de espetinho de frango! E o consumo é visivelmente masculino. Sem brincadeira, 80% dos homens presentes comeram espetinho. Será que pedir "Vê um espetinho aí!" deixa o cara se sentindo mais macho? Auto-afirmação? Caminhoneirismo? (Deixa de ser idiota, Raphael!!) Na próxima parada eu vou provar...
Terça 4h30 - Itapetininga
UNBELIEVABLE!! Não bastava ser uma ida de ré, tinha q ser diferente! Vamos por partes.
No Borsatto, aquele da asia, pedi um espetinho, mas não me senti nenhum Clint Eastwood (graças a Deus!). Pedi um suco de laranja, gigante. Agora o pior.
Olhando as revistas, mangás e livros do Arquivo X (comprei o 1°!), me distrai. Pior que me deu uma vontade louca de ir no banheiro, daquelas que não dá pra segurar. E o esperto aqui, ao invés de ir no do ônibus, foi no da parada. Aliviada a tensão fisiológica vejo meu lindo ônibus me esperando, mas mesmo depois de tanto tempo (+ de 20 minutos), ainda desligado. Mesmo assim, fui entrando. E qual não foi minha surpresa ao ver que o carpete era cinza ao invés do vermelho de antes! Desci e olhei para os lados. Esse era o único ônibus parado ali. Atônito, perguntei para o cidadão próximo ao ônibus como se ele tivesse culpa de qualquer coisa:
- Cadê o ônibus que tava aqui??
- Acabou de sair.
- Mas ele vai lá pra trás (garagem)?
- Não, foi embora mesmo. Era um leito, não era?
- Meu Deus, num brinca comigo...
Ele sorri querendo ajudar:
- Pergunta pra alguém aí.
Mais incrédulo, eu pergunto pra umas mulheres próximas e novamente a mesma resposta.
- Acabou de sair.
Volto ao cara, como se ele fosse o Próprio.
- E agora, Meu Deus?
- Num sei. Pergunta pro motorista desse aqui. Quem sabe ele te leva?
Entrei a passos trôpegos no recinto, perguntando com temor pelo motorista do ônibus. Expliquei tudo a ele. Concordou em me trazer a São Paulo.
No ônibus eu era o único de luz acesa, sem óculos, sem walkman, sem relógio, só escrevendo.
Só eu mesmo...
Sorte q a caneta e o bloco estavam no bolso.
7h - São Paulo
Desembarcados os passageiros normais, eu vou até a garagem da empresa.
7h30 - Garagem
Bairro do Limão (em frente ao Playcenter). Todos da empresa me zoaram dizendo que eu não gostei do Leito e preferi trocar pelo Executivo. Quando expliquei sobre o banheiro, riram, se desculparam (o motorista, em particular), entregaram minhas coisas e se despediram. Antes de ir pra lotação da empresa junto com umas sacoleiras com destinho à Estação da Luz, um senhor se aproximou, me viu escrevendo e ficou curioso.
- Você ficou na estrada?
- Não na estrada, na parada... No Borsatto, em Itapetininga.
- Mas, tá tudo bem?
- Tá...
- Pois é, eu tenho 10 anos de companhia e é a 1ª vez que isso acontece aqui...
8h - Ponto de ônibus
Carona dada, espero pela saída do Jd. Maracá para retornar ao meu querido lar.
Whatta trip! Que viagem!
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