domingo, 14 de novembro de 2004

Bem Vindo a São Paulo      (3,7)
(BRA - 100min - 2004)

Dezessete diretores de países variados foram convidados a filmar com uma Betacam qual era a cara da cidade de São Paulo para eles. A união dos resultados dessa idéia é o filme Bem Vindo a São Paulo. Para costurar as idéias de um curta a outro, foi convidado a narrar sobre as imagens da cidade e de sua transformação Caetano Veloso, com textos bonitos, que fazem pensar e até um poema lindo que introduz o curta morto "Natureza morta".

O próprio Caetano assina um dos curtas, "Concreto", em que nomeia árvores nacionais do modo como os índios as chamavam. Algo como um atestado de mea culpa pela imposição portuguesa suprimindo as culturas nativas. Ou pelo menos o reconhecimento de um descendente dessa violação.

Gostei muito de "Alguma coisa acontece", da Maria de Medeiros (a Fabienne, de Pulp Fiction), que lê a letra de "Sampa" com seu sotaque português enquanto mostra o ponto de vista de alguém que atravessa uma rua, entra num prédio, sobe o elevador e vê a cidade do alto. Muito bonito.

Interessante o Amos Gitai falando sobre o que ele queria fazer para filmar o curta, o que ele queria mostrar. E isso já é o curta em si. Uma metalinguagem peculiar.

"Signos" mostra rapidamente a poluição visual da cidade. Isso é um sinal de evolução? Max Lemcke consegue mostrar muito da cidade só com suas placas, avisos, lambe-lambes, luminosos e placares. Criativo e dá uma boa imagem do caos visual dessa megalópole.

Leon Cakoff, o grande pai da Mostra, organizador máximo dessa festa, imita Gitai em seu curta "Esperando Abbas". Abbas Kiarostami queria fazer um curta sobre uma menina que pega revistas nas lixeiras da Av. Paulista e essa menina tinha um amigo também morador de rua. Tudo real, nada de atores. O filme de Cakoff é uma entrevista com a pessoa que faria esse morador de rua, um rapaz que guarda carros, sem instrução e com o senso lógico comprometido, provavelmente por culpa da sua situação social marginalizada. Tragicômico. Cinema do acaso.

Mas o melhor é o último - que deu nome ao conjunto de filmes -, do alemão Wolfgang Becker, o mesmo de Adeus, Lênin. Uma batida eletrônica com um toque de axé para uma busca acelerada por algum estabelecimento desconhecido. Achado o lugar (uma loja de discos), olha-se disco a disco - com uma edição perfeita. Achado o disco, vai para a vitrola. Sai o som eletrônico e entra, ao descer da agulha, "Sampa", de Caetano Veloso. E ouvimos toda a música com imagens poéticas da cidade. L-I-N-D-O.

Mas fora esses geniais, há alguns parados que não dizem muito e que não mostram nem um lado bonito, nem poético, nem caótico. Só mostram. Coisa que qualquer paulistano que tenha botado o nariz pra fora de casa vê normalmente, como "Manhã de Domingo", do famoso finlandês Mika Kaurismäki.

Outros até beiram o desinteresse, como o de Kiju Yoshida. Este mostra uma atriz japonesa entrevistando uma "sansei" brasileira. Conversam sobre os difíceis primeiros dias de imigração japonesa e suas conseqüências. Cansativo.

Ou até "Fartura", que mostra uma feira de rua, como qualquer outra. Pode até ser exótico pros olhos extra-nacionais, mas tinha melhor jeito de mostrar isso além de só filmar a feira, sem acrescentar nada.

Uma mescla de ótimos, de médios e de banais. Apesar da iniciativa pertinente à Mostra, não é (só) isso que é São Paulo, mas já é um começo. Um bom começo.

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