segunda-feira, 4 de outubro de 2004

Cinema da Retomada - 10 anos

Mil novecentos e noventa e quatro. Collor acabara de fazer um estrago com a economia do país e, conseqüentemente, pora em cheque os valores de necessidade da arte quando em frente a uma crise econômica. Estagnação, improdutividade, frustração artística. Foi quando a atriz Carla Camurati conseguiu, a passos de formiga, concluir seu projeto de longa data. O resultado, Carlota Joaquina, não foi um filme, foi sim um marco. Um marco para o cinema brasileiro e o início do que se caracterizou como um movimento: o Cinema da Retomada.

Vagarosamente, dificuldade após dificuldade e com muito custo, o Brasil voltou a ter um ou outro filme produzido. Com ajuda de miúdas verbas variadas - já que quase ninguém quer investir em algo que não dê retorno imediato (e em tempos de crise o povo não vai ao cinema) - o Brasil começou a caminhar na busca de um cinema de qualidade e que desse público. Este ainda não era definido. Menino Maluquinho, da obra de Ziraldo, buscava a massa infantil, mas não chegou a causar impacto financeiro. Entretanto, já nesse momento se definia a principal qualidade do cinema do país: a humanização, a arte como forma de expressão humana, como retratação de mundos possíveis dentro da nossa realidade técnica.

A produção nacional precisava das verbas internacionais. Assim foi feito O Quatrilho, indicado ao Oscar de filme estrangeiro. Era o cinema de poucos, para poucos.

A economia teve aparente estabilização e o entretenimento de massas novamente retomava a sua vez. A alavanca que abriu a porta encerrada, veio a seguir, com a indicação ao Oscar de melhor filme estrangeiro de O que é isso, companheiro?. Naquele ponto, filmes de menor nome na mídia já era produzidos por aqui. Quantidade com qualidade, mas ainda não o tipo de qualidade que as grandes indústrias do cinema (as distribuidoras) querem. Portanto, obras como A Ostra e Vento, Ação Entre Amigos, Ed Mort, Os Matadores, O Homem Nu, Quem Matou Pixote, Como Nascem os Anjos, A Festa de Margarette, Traição, Tieta do Agreste, Terra Estrangeira não chegaram a ter grande repercussão.

Duas indicações ao prêmio mais pop do cinema foram suficientes para fazer o grande público acreditar na qualidade do filme nacional. Aparecem para o mundo Walter Salles e Fernanda Montenegro. De direção, atuação e fotografia eficazes, forma-se assim o que viria a ser a tradição técnica das produções nacionais. É o novo "cinema novo" tomando forma.

Daí pra frente, muito bem, obrigado. Roteiros inteligentes culminando em bons filmes (ou simplesmente filmes divertidos). Tolerância, O Invasor, O Homem Que Copiava, Memórias Póstumas de Brás Cubas, Amores Possíveis, O Auto da Compadecida, Houve Uma Vez Dois Verões, Pequeno Dicionário Amoroso, A Partilha, os estouros de Abril Despedaçado, Bicho de Sete Cabeças, Eu, Tu, Eles, Carandiru e Cidade de Deus e os recentes Madame Satã, Lisbela e o Prisioneiro, Narradores de Javé, Cazuza e Olga, dentre muitos, muitos outros, menores mas de qualidade como O Caminho das Nuvens, sem sequer mencionar os religiosos, os infantis e os documentários.

Claro, sempre poderia ser melhor. Muito se discute sobre a partição entre cinema de qualidade e cinema de bilheteria, para atender a dois tipos de público distintos. Isto, que parece existir em qualquer lugar, era o mínimo a se esperar, já que no Brasil, tão plural de culturas e meios sociais, poderia se pensar em mais de meros dois tipos de público. Acima disso fica o fato de termos dois tipos de público para presenciar a evolução do cinema desde sua estagnação, uma realidade que parecia impossível dez anos atrás.

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