Sem licença para doar
Por causa do Anima Mundi tive que mexer nos meus horários de trabalho. Para evitar fazer mais compensações de hora do que eu já deveria na semana seguinte, resolvi ir doar sangue na quinta-feira. Afinal, era um dia a menos de trabalho. De lá iria para o festival e além disso, seria um ato solidário, humanitário, com o qual sempre quis fazer parte. Dar a minha contribuição, ainda mais por ter o tipo de sangue mais chato, que só recebe dele próprio, O–.
Na primeira vez que tentei doar, descobri que não podia estar gripado. E era para repor o banco para uma operação para minha avó. Perdi o dia no trabalho e não pude doar.
Na segunda vez, deu uma baita confusão, uma novela mesmo. Lembra do Hepato Boy e todos os seus capítulos?
Desta vez, tentei doar no Hospital do Servidor Público Estadual, meu local de trabalho. Prenchimento de cadastro, perguntas e respostas de identificação e fui para a triagem. Lá, tudo normal... até a atendente perguntar se estava tomando algum medicamento.
– Finasterida, respondi.
– Hummm... Então não pode doar. Deixa eu ver aqui na Portaria da Secretaria da Saúde... É, ó, tá aqui. Finasterida, né? Então, é "Incapacidade Definitiva" de doação.
– Definitiva?
– É porque ele é um teratogênico, então não pode.
– "Definitiva" significa que eu não posso doar nunca?
– Significa que se você tomou uma única vez na vida você não pode doar nem sangue, nem órgãos.
– ...
Saí. "Nunca mais." Tomei minha companheira pela mão na recepção e saímos do prédio. "Pra sempre." O chão era meu amigo e me olhava estúpido. "Rejeitado." Expliquei a ela quase faltando as palavras... "Outros podem, você não." E, num breve momento sozinho, meu amigo chão bebeu gotas de água dos meus olhos.
Justo eu, que sempre quis ajudar outros que precisassem dos meus órgãos na minha hora... que queria que todos se dispusessem a fazer o mesmo... que acredito nessa solidariedade...
Braços me envolveram. Os de minha garota. Nada sem ela. Reânimo. Não pensar nisso. Não se deixar abater. Podia ser pior. Não pegar o ônibus errado. Abonar o dia. Sair logo dali, não importa pra onde, pra sempre...
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