sexta-feira, 6 de dezembro de 2002

"Oh, these little rejections
How they feel so real to me"


Enquanto esperava para ser atendido no Hospital do Câncer, ouvi uma garota conversando com uma amiga:
– Da outra vez não deu mesmo. Até tentei pesar com bolsa, com bota, mas não cheguei a 55 quilos.
Risos da amiga e da enfermeira-recepcionista que as atendia.
– Mas, deixe estar, hoje estou preparada. Engordei uns quilinhos pra vir aqui e poder doar.
– Tudo bem. Boa sorte – disse a recepcionista, apontando uma outra enfermeira que encaminhou-as para a "sala de perguntas".

Entrei também acompanhado daquela que seria minha esclarecedora do porquê eu estar ali. Cumprimentos e apresentações à parte:
– Nos exames para doação costumam aparecer alguns itens analisados como positivos, exatamente por serem estes exames mais rigorosos que os convencionais, afinal não podemos pôr em risco a vida de quem vai receber o sangue.
– Claro, claro...
– É importante que se saiba isso. Será feita uma nova coleta para testar esse "falso positivo" seu. O resultado desse exame fica disponível em 20 dias e se realmente constatado que o positivo não é falso, a gente aconselha que você visite um médico de confiança.

Ela suspira. O suspiro dela é o meu suor e desespero.

– O que aconteceu é que foi dado positiva a reação sorológica com o HbsAG, que é um dos indicadores de que você tem ou teve Hepatite B.

Silêncio reconfortante.

– Como eu disse, isso não significa necessariamente que você tem Hepatite B. Pode ter sido um falso positivo. Mas vamos checar isso. A Hepatite B é a mais comum, e às vezes nem percebemos que contraímos e o nosso corpo já elimina a virose. (...)

A certo ponto, fiquei curioso, mas já me sentindo desapontado:

– Então, se eu tiver mesmo ou tiver a possibilidade de já ter tido Hepatite, eu não posso doar, certo?
– Isso. Não pode.
– Mas e se der que não tive, tudo bem?
– Assim... Como já deu um positivo, mesmo podendo ser falso positivo, pensando na segurança do receptor e na qualidade do sangue doado, para o nosso banco de sangue, você não já pode doar. Porque essa é uma medida tomada pelo nosso banco de sangue. Se der negativo no resultado que faremos, nada impede que você doe em outro lugar, mas... aqui não...

Não pude esconder meu desapontamento. Quando fui doar estava me sentindo importante como há muito não sentia. Tinha gostado das enfermeiras símbolo de simpatia, de diversão, de alegria. E me sentia realmente útil.

Deixando isso um pouco de lado, expliquei sobre meu tipo de sangue e a confusão com meu Fator RH.

– Existe o que chamamos de "fraco positivo". No caso, a enzima é pouca ou é fraca e não reage logo "de cara" com o teste, aí aplicamos outros testes para estarmos mais seguros. Nunca um positivo pode-se descobrir negativo mais tarde, mas o contrário, que foi o seu caso, pode acontecer. Provavelmente é isso. Mas podemos refazer o exame de tipagem também. Você quer?
– Seria interessante...

Encaminhamo-nos à sala de coleta, onde há exatas 3 semanas, eu tinha ido todo contente. Lá, retirada a amostra, deparo-me com a garota da recepção, aquela mesma que dissera que dessa vez estaria preparada. Novamente não a deixaram doar. E de novo, por causa do peso. Ela, sentada à frente da amiga na deitada na cadeira de doação, olhava tristemente para todos aqueles que ali estavam.

– Isso é discriminação – disse brincando, mas no fundo com ressentimento. Ela se aproximou da amiga. Pude ver os olhos marejados. – Ah, gente... – suspirava com a mão na boca, como segurasse o choro.

E veio a enfermeira-chefe consolar-lhe:

– Calma, meu bem. Sorte tua descobrir que não pode antes de doar. Quantas pessoas não vêm aqui, doam, tudo bem, e aí quando fazemos o exame descobrimos que ela não pode doar porque tem alguma coisa...?

A garota suspirou.
Eu me afundei na poltrona e do mesmo jeito voltei para casa.

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