domingo, 9 de julho de 2006


Hoje era um dia de entrega

      Hoje era um dia de entrega. Era um dia de se declarar; de olhar nos olhos e não dizer nada; só sorrir, como sorriem aqueles que não têm motivo pra sorrir. Hoje era mirar a cidade toda do alto, olhando a paisagem poente por grandes vidros, no terraço de um edifício com cara de hotel, os minúsculos pontinhos se movendo lá embaixo, lá dentro...
      Hoje era não pensar; era deixar o jazz baixinho voar, e rimar o olhar com o coração. Sentir-se à meia luz, planando num céu de baunilha, levemente entorpecido sem perceber. Hoje era o ser mesmo sendo estar.
      Hoje era tudo isso. Era o ser feliz; era procurar "dividir-se em alguém"...

      Mas tem este tal de "alguém", este limite instável, indesfrutável, que faz o céu escurecer; este termo inexato; de uma ausência presente e de uma presença ausente. Há a dúvida de haver. Já não se sabe o quê, nem quem, e já nem quando, ou porquê...
      E viro um pontinho minúsculo, morto?, na imensidão de quem me observa, granular, do alto, de fora: sem sorriso, sem mirar, sem entrega, sem nada. Hoje era; mas sou, numa calçada sem céu e sem som, uma só areiazinha cinza que o vento esqueceu de levar...

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