Qvi opvs est?
Letterae
                                                         (a Lilian Jacoto)
      Depois de um dia não dos melhores e de ter cumprido o dever, aceitei o convite para relaxar à noite. A noite sim seria agitada; não para mim, eterno discípulo do segundo tempo da noite mas rendendo-se às metas estabelecidas pela obrigação... Em outras palavras, ficaria só à base de vinvm e iria curtir a noite do outro lado da consciência, com o cobertor da segurança e só.
      Baco deu um efeito engraçado a meu plano: evaporou-o. Vieram à realidade as duas garotas juntas: a do interior e a russa – o recato expansivo e a expressão já sem depressão com comedimento. Queriam curtir a noite, indiquei-lhes um club conhecido. Lá, ia só trazer, porém a hora me passou para trás e lá fiquei.
      Trabalharia na manhã seguinte. Não podia concretizar nada disso. Mas o esboço despedaçou-se no chimbal da caixa de som. Novamente as duas garotas, agora dando um gelo fervente. A linguagem não era suficiente: Franz Ferdinand, Radiohead, Strokes ("Why won't you come over heeeeeeeere? / We've got a city to loooooove")... Puffs e 80's e bum! Todos sumiram.
      Me vi a Orpheu, com Pessoa nos braços, da catábase à ascese. Fruto oneroso de sonho irreal. Como assim? Foice-tudo. Planos inclinados, chuva oblíqua de sensações o ser e o sentir ser. Para quem? Para mim? Para elas? Para todos? - Todos quem? "Finjo que sonho que me sinto sendo". Não! Sim ao puro, ao sentimento abstrato, como um substantivo; natural, instintivo. Alguém bate à porta? A consciência? Não, ela dorme tranqüila na amenidade da vida certa. O humano é mais real que o plano inclinado da consciência! Mas quem quer ser real? Queremos é ser humanos! E deus que se foda! O recato foi também humano, que interiorizou-lhe o je ne sais quoi. E sumiram. As escadas já faziam mais sentido e eu lembrava o nome dos conceitos todos: máquina de pinball, diversão, cansaço, continuidade, ônibus, demora, trabalho...
      A latente sensação de entorpecência. Latente como um sorriso de criança; como o olhar misterioso e direto, embasado e verdadeiro; como a saudade da sensação que ainda vem; como a paúra do paulismo; como os constantes "nãos" suados de um lado pro outro da cama de sonho...
      E toca o despertador do celular avisando que a noite acabava e que o dia não era pagão, era do mestre Cronos (Caeiro?), o grave e sóbrio. Mas ainda assim fica, de reis, a sensação de entorpecência latente e impregnada em mim como um cheiro bom que se quer continuar sendo.
      Sinto que pensei ter sonhado com três Pessoas.
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