(Conto)
     Olhou-lhe os lábios. Olhava de novo. Não a primeira vez naquela noite, não a primeira vez naquela vida. Desejou-a.
     Sentados na guia, conversando pelo noite. Ela sorria. Olhou-lhe os dentes alvos, os lábios róseos. Ela tinha se passado na bebida; de jeito que gostava, mais do que podia. Tinha medo de vexame. Distribuía seu sorriso lindo, que ele apreciava, entretido e entretendo. Duas conhecidas passaram. Bebiam esquecendo a vida. Riam todos. Alguns olhavam. E ele, contínuo, para ela:
     O que ela tinha que tanto lhe chamava a atenção? Eram os lábios? Era o sorriso? A cor do cabelo? Não sabia.
     Olhava-a ainda discreto, embora de perto. Passou-lhe o braço pelo pescoço. Ela aceitou, distraída.
     Ele sorriu. Por dentro e por fora. A bebida fazia efeito também nele. Não se sentia tão tímido, embora ciente da sua condição insóbria. Abraçou-a. Gostava de sentir o calor do corpo dela.
     Ela, sorridente e agora conversadeira, deitou-lhe a cabeça no ombro. E do ombro para o peito. Ele afagava-a, segurava-a como a uma pluma. Ela cerrou os olhos; não cabia ele em si.
     Olhou-lhe os lábios mais uma vez, ainda acariciando-a. Queria os lábios róseos, a língua de cereja, a sua ternura não-romântica com pitada de realidade. Seriam um através do beijo.
     Ela ali, pousada em seus braços, com seu sorriso alvo e lindo.
     Era agora. Não podia demorar mais. Podia ser sua última chance. Aproximou-se para o beijo. Ia tê-la.
     Porém ao momento em que se daria o toque de lábios, ela virou a cabeça para o lado e ele beijou-lhe o rosto.
     Mergulhou em desapontamento. Achou que estava agradando. E se tivesse lhe beijado os lábios talvez, por uma remota chance, poderia não ser por causa da bebida. Mas não beijou, mesmo com ela.
     A cabeça dela como desviada do beijo permaneceu. Imóvel.
     Aturdido, ele a chamou, chacoalhando-a. Uma, duas, várias vezes.
     Estava desmaiada. Inerte. Na tentativa de reânimo, pânico. Desespero. E finalmente a ambulância.
     Coma alcóolico e diabético. Choque anafilático.
     Na espera, a notícia.
     Foi-se embora. Foi sua última chance.
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