quinta-feira, 20 de fevereiro de 2003

A história da pimenta

E tinha essa mulher, que esse ano completou 40 primaveras exatamente no dia em que a conheci, lá em Itanhaém.

"Eu, quando era menina, mocinha, tinha uns 16, 17, isso por volta de 1930, 40... (risos) Então, eu queria mesmo era ser aeromoça. Aquele luxo, aquela pose, toda chique. Adorava elas, os gestos e tudo mais. Mas não tinha grana, minha família não era lá essas coisas e tinha muita gente. Aí, como eu queria - e precisava - começar a fazer minha vida, fui trabalhar numa escolinha. Uma escolinha de crianças, tipo creche, mas era mais para prezinho. E em toda escola sempre tem aquele que é o mais peste, né? Aquele que não adianta falar que ele vai lá e faz o contrário, exatamente aquilo que não pode. E ele sabia que não podia, a peste. E era no intervalo que a coisa acontecia. Todas as crianças correndo pra lá e pra cá e a gente, as 'tias', tentando amenizar, segurar a coisa. E lá na escolinha tinha um balancinho, sabe?, desses de criança mesmo. E a peste ia pro balancinho e ficava empurrando, empurrando, empurrava com toda a força. E eu lá, com doçura: 'Olha, fulaninho - já nem lembro o nome da coisa -, pára de fazer isso que você pode machucar um dos coleguinhas...'. E era eu virar as costas que o moleque voltava a fazer. E assim sucessivamente algumas vezes. A gente não podia soltar os cachorros em cima das crianças, porque se não as mães vêm encher o saco depois lá com a direção. Pra esses casos, dessas crianças mais chatas, mais elétricas, a gente tinha um sistema de susto pra eles: a gente tinha um vidro de pimenta que a gente sempre mostrava pra eles e dizia ameaçando: 'Olha, se você não ficar quieto eu vou pôr pimenta na sua boca e vai arder!'. E sempre só ameaçávamos, claro. Se não, imagina o que ia ter de mãe revoltada reclamando... Então, mas nesse dia, não sei o que tinha acontecido comigo, eu perdi a paciência mesmo. Depois da quinta vez dele ter desobedecido, jogado o balanço com tudo e quase acertado dois, catei ele, arrastei até a sala da pimenta, abri, meti o dedo dentro e falei: 'Abre a boca!!'. Agora ele tremia. 'Abre!!!!' Ele abriu e eu pus o dedo com pimenta na língua dele. Ele começou a chorar. Dia seguinte tava lá a mãe da peste reclamando: 'Botaram pimenta na boca do meu filho!!'. E a direção veio conversar comigo e fui expulsa da escolinha... Dezessete anos e já tinha sido expulsa de uma escolinha de criança...
Nesse dia eu soube que não dava pra ser aeromoça..."

Muito simpática a ex(?)-futura-sogra da Paula. Uma daquelas pessoas que em cinco minutos de conversa você se sente completamente à vontade para conversar sobre qualquer coisa.

Nenhum comentário: