sexta-feira, 16 de agosto de 2002

Assalto sobre rodas

Isto não é um dos meus amalucados roteiros, embora poderia ser.

Um certo dia, há uns dois anos, eu ia para a Federal, sentado à janela do ônibus Lgo. São Francisco, perto do cobrador, escutando meu walkman. Tudo como sempre.

No ponto do Shopping Ibirapuera, subiu ao coletivo uma figura peculiar: magro, blusa de moletom, bermuda, Havaianas e um saquinho das Lojas Americanas com um pacote de Cream Cracker aberto dentro. Passou por debaixo da catraca e sentou-se ao meu lado.

- Homm demmann himm honme...
Tirei os fones.
- Como?
- O Detran fica longe?
- Não é muito, não.
Ia pôr os fones de volta.
- É? Dá quanto tempo daqui?
- Dá uns vinte minutos.
- Ah... Você me avisa quando estiver perto?
- Uhum. Pode deixar.
De novo, ia pôr os fones de volta.
- É foda... Vai aí? - disse, oferencendo-me do pacote de bolachas.
- Não, não, valeu.
Ele pegou uma.
- Você tá trabalhando?
"Que merda. Detesto esses 'tiozinhos' que querem bater papo no ônibus", pensei.
- Não. Estou procurando.
- Eu também. Sabe, hoje fui em duas agências. Ninguém tem emprego.
- É...
Eu tentava encerrar o assunto.
- É. Sou pai de dois filhos.
- É, é foda.
- Você não tem um emprego pra me dar, não, né?
Sorri.
- Não...
- Então... 'Cê tem um real, aí?
Olhei para ele nos olhos. Entendi. Olhei para o chão e pensei em quanto eu tinha: 3 reais e uns quebrados, dois passes de ônibus, um passe de metrô. Nada com que se preocupar. "Se ele tentar levar o walkman..."
- Deixa eu ver a carteira.
Olhei para o cobrador.
- Olha, eu tô com um outro lá atrás que tá com um cano. Se você não me mostrar a carteira a gente vai levar do ônibus todo. Eu tô com um canivete aqui. Você não quer ouvir as "tiazinha" gritando, né? E disfarça...
Puxei a carteira, disfarçando, enquanto ele comia sua bolacha, calmamente. Mostrei-lhe as notas.
- Me vê esses "um real" aí.
Entreguei-lhe os três reais.
- Só tem isso aí? Não tem mais, não? Nos bolsos?
- Não, não.
Olhei novamente para o cobrador, que distraía-se com a paisagem.
- Que é isso aí?
- Quê? Isso aqui?
Ele falava da minha nota da sorte, meu um dólar.
- É.
- O que é que tem? Você também quer? - eu disse, levantando a voz.
- Ah... - sorrindo - Quando eu era pivete eu sempre quis ter uma. Sabe como é, todo mundo, os ricos, tinha e eu só via uma dessas em filme.
- Eu não acredito.
- É, sério mesmo. Passa logo vai.
Fui passando-lhe a completo contragosto, segurando a nota.
- Vai. Larga.
Larguei.
- Valeu. Você é um cara legal.
Apertou-me a mão, se despedindo. Bem antes do Detran, levantou-se e foi, deixando um cara furioso sentado, sem sorte, num banco de ônibus.

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